Nos Arredores

Morosamente correm
água e tempo. Fácil é
metaforizar o tempo
por dados da Natureza.
Água que jorra da boca
do cano de chumbo esvai-se
em velha caleira aberta
cai para o rego
entre pés de feijoeiro.

Acontece
em pormenor um dia algures.
De súbito feijoeiros cruzam-se
ou ventos no encaniçado
passam entre flor e vagem.
As mãos já sem corpo
tacteiam as folhas
acamam no cesto leve
as vagens verdes ignotas.
Serva morta, volta
a crescer da Terra
como as trepadoras.

Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"

Árvores do Alentejo

Horas mortas? Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido? e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro e giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
pedindo a Deus a minha gota de água.

Florbela Espanca